Literatura Infantojuvenil
PIRES, José Walter. O
Segredo do Quintal. Fortaleza: Editora IMEPH, 2013
José Walter Pires,
poeta baiano natural de Ituaçu e cidadão brumadense, irmão do renomado cantor
de música popular brasileira Moraes Moreira[1],
membro da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, é escritor com formação
em Direito e em Sociologia, atualmente professor aposentado. Apaixonou-se pela
literatura de cordel ainda criança. Sua produção poética apresenta um jogo estético
que presa pela técnica num estilo acurado fiel à métrica e à rima. A literatura
cordelista se configura, atualmente, dentro de dois cenários literários que são
denominados de cordel tradicional e novo
cordel ou neocordelismo[2],
os últimos termos ainda em forte discussão no âmbito acadêmico. O fazer poético
do artista, ensaiando novos ares, dá conta de uma narrativa marcada pela regra
da versificação, pela linguagem formal com variantes da linguagem popular, e em
formatos também diferentes da produção em brochura. Contesta a ideia
preconceituosa de cordel como subliteratura, não por se aproximar de uma
linguagem culta, mas por apresentar poeticidade. Sua vasta obra literária trabalha
o imaginário sertanejo, a cultura popular, além
de temas sociais, educativos, ambientais e históricos. Assina mais de 50
títulos entre eles destaca-se as obras infantojuvenis As noventa e nove moedas de ouro (2012) – publicado em brochura e O
segredo do quintal (2013). Neste último, Zéwalter - como prefere ser chamando - apresenta uma narrativa fabulosa
dedicada à amiga e poeta Clarice Moraes dos Santos (in memoriam), de quem ouvira a história pela primeira vez e reconta
neste volume. Em dezenove estrofes de sextilha, versos brancos e predominância
de rimas consoantes, o cordel conta a saga de um camelão obstinado por
descobrir o segredo de um admirável e estranho lugar. O animalesco personagem-narrador
ouvira tal mistério no povoado onde se contava a história de um quintal que mais
se assemelhava a uma rica floresta, dado a sua vasta flora e fauna. Segundo o camelão, contava-se no povoado que até
animais da história antiga também lá faziam morada “Corria de boca em boca/Que
lá dentro do quintal/ Existiam dinossauros/Em estado original [...]” p.8.
Embora desacreditado desse dito, projeta escalar o muro e assim o faz dominando
o medo, motivado pela curiosidade e acobertado pela escuridão noturna. Relata o
narrador, “Embora com muito medo/Defini o instante certo/Numa noite bem
escura/Sem o ato ser descoberto/Escalei aquele muro/ Sentindo as ‘feras’ por
perto” p.11. Posto a uma momentânea desilusão e a descoberta de uma surpreendente
sociedade de bichos envoltos a natureza em estado puro, nosso camaleão revela
valores sociais imprescindíveis à convivência humana. Não apenas isso, há nesta
obra uma fecunda representação do imaginário infantil que retoma as
brincadeiras de quintal tão escassa na contemporaneidade dominada pela diversão
digital. O escritor coloca num mesmo
plano de valoração gente e bicho ao personificar sensações humanas de grande
profundidade psicológica: medo, coragem, desilusão, insegurança, amizade. O
camaleão é gente, interage com o povo de quem ouvira o mistério, tem pés, fala,
pensa, sente, duvida, crer e tem esperança. O cenário se faz da natureza
representada na obra em perfeita harmonia, num estado genuíno. Há riqueza de
detalhes tecidos com considerável maestria, a começar pelo título O Segredo
do Quintal que incita o leitor a desvendá-lo. José Walter traz às mãos do
público infanto-juvenil uma história de significação mnemônica, que transporta
o leitor para dentro dos muros dos quintais interiores guardados na memória de
quem teve a oportunidade de criar e inventar múltiplos cenários e histórias no
quintal de casa, ou, ainda, aguçar tantos outros leitores a criarem,
imageticamente, seus segredos de quintal.
[1] Antônio Carlos Moraes Pires, mais conhecido
como Moraes Moreira, é cantor, compositor e músico brasileiro. Ex-integrante do
grupo Novos Baianos, um movimento artístico de grande relevância no cenário
musical nacional nos anos de 1969 a 1975. Irmão caçula do escritor José Walter
Pires.
[2]
Sobre essa questão, discute Maria Alice Amorim no artigo Existe um novo cordel? Imaginário, tradição e cultura. Disponível
no endereço eletrônico http://www.cibertecadecordel.com.br/pdf/existeumnovocordel.pdf
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